domingo, 25 de junho de 2017

A bunda, que engraçada


A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora — murmura a bunda — esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda
redunda.

por Carlos Drummnod de Andrade
fotografia de autor desconhecido

sexta-feira, 23 de junho de 2017

A well-tempered keyboard


Now that I am finally getting laid again
my piano playing is improving. What else
would I do in those moments of waiting
bathed, perfumed, satinned, variously
analgised and anaesthetised?

It seems impossible to me now, that
anyone could play Bach without thinking
of sex. More than the insistence of that
pulsing left hand chord, it’s the way we move
from key to key as if harmony were a body.

My fingers are getting nimbler; I can dream
of grace in those quick passages, almost
believe that nerves could heal. I’ve noticed too
that these days sex ends like a chorale, a single
note slipping into the home chord: a-a-men.

by Helen Clare in Mildly Erotic Verse
photography of unknown author

terça-feira, 20 de junho de 2017

Amor — pois que é palavra essencial


Amor — pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

por Carlos Drummnod de Andrade
fotografia de Leigh Perkins (Mighty Aphrodite)

Longa ausência

Peço-vos, minhas leitoras, desculpa por esta minha algo longa ausência.
As últimas semanas, de facto os últimos dois meses, têm sido um período de intensa actividade profissional, o que não me tem permitido dedicar o devido tempo àquilo que realmente me dá mais prazer: a vossa companhia... literária.
Espero retomar, durante as próximas semanas, um contacto mais frequente convosco.

Um beijo
Pedro M