segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

o outro


era a esposa dele
desejada por outro homem.
ele viu e descobriu,
e da revelação
veio um ciúme que durou pouco,
pois seguido de um indisfarçável orgulho
da mulher que era linda,
e era gostosa,
e cobiçada pelos outros.
ele passou a exibi-la.
roupas curtas, transparências,
uma distância para dar segurança ao olhar alheio,
os pensamentos masculinos que ele conseguia ler,
a imagem desenhada na cabeça.
e ela, cúmplice do jogo, gostava
de ser o centro do desejo,
se permitia admirar e até incentivava
pernas cruzadas, frações da pele que escapava
no decote, na fenda.
amavam-se a construir histórias de alcova,
nos braços de outro ela profanada,
o pau de outro a lhe extrair os berros.
seria assim a vida deles,
se longe demais ela não fosse,
e no dia em que ele afinal a viu,
atrás dela, na cama deles,
o meu pau a arreganhar toda a intimidade
da esposinha outrora só dele,
veio-lhe no mesmo instante,
sem que conseguisse evitar,
o orgasmo mais intenso da sua vida.

por Guilherme Borges
fotografia de autor desconhecido

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Ritual de amor


Anoiteceu
Todos se foram
Somos só eu e você
Em um universo só nosso
Ao deitar
Sinto sua respiração na minha face
Minhas mãos passeiam por seu corpo
Sua boca aproximando da minha
Com desejo
Com amor
Com carinho
Com calor
Sem palavras
Apenas gestos
Nada mais é necessário
Quando dois corpos se juntam
É instinto
Um compreende o outro
Descobrindo o que se promove nos demais instantes
As mãos se entrelaçam
Bocas respirando uma na outra
Exalando o que sentem
Transpirando desejos
Respirando tesão
Sussurrando gemidos
Até chegar no topo
O que era vivo
Morre por instantes
A mais erótica e intensa sensação
De amor, de tesão
Querem uma a outra
Por algo que vicia
E minutos depois
O ritual se inicia.

por Samara Deyse
fotografia de autor desconhecido
dedicada por uma leitora

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Ilha


Deitada és uma ilha. E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

Deitada és uma ilha. Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias

por David Mourão-Ferreira
fotografia de autor desconhecido
modelo: Karen Kounrouzan

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Le cul de ma voisine (Obsession bucolique)


J’aime à me promener, la nature est si belle,
Je m’extasie sans cesse à la vue sensuelle
Des maintes courbes osées, qui à ma vue dessinent,
Pour mon plus grand plaisir, celles de ma voisine.

La saignée du labour qui monte vers la crête,
Dans une ondulation lascivement parfaite,
M’impose la vision de la superbe échine,
Sur la chute de reins du dos de ma voisine.

Deux monticules au loin, qui barrent l’horizon
En regardant les cieux, tendus en oraison,
Dans une volupté de débauche divine,
C’est le galbe insolent des seins de ma voisine.

Le bosquet arrogant qui trône au creux d’un champ,
Les pieds dans la moiteur d’un ruisseau aguichant,
Dont le fluide fripon me grise et me fascine,
C’est le buisson ardent touffu de ma voisine.

Une brèche effrontée, que mes yeux accompagnent,
Coupe, en deux monts d’orgueil, une espiègle montagne ;
Triomphant et altier, tout là-haut il chemine,
L’impertinent sillon du cul de ma voisine.

Quand je rentre chez moi, encore nostalgique
Et l’esprit envahi de fantasmes érotiques,
Je trouve mon voisin en posture coquine
En train de besogner ma femme, sa voisine.


par Gérard Pinson
photographie de David Hamilton

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Votos de um Bom Ano de 2022



Para todas as minhas leitoras, com o meu desejo de que tenham um Muito Bom Ano Novo!!
E que todos os vossos desejos para este ano de 2022 se realizem!

Um beijo
Pedro M


Tenta-me de novo


E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

por Hilda Hilst.
fotografia de autor desconhecido