sexta-feira, 4 de junho de 2021

A minha boca


a minha boca
tem tanta fome da tua
a minha língua
tem tanta sede da tua
a minha boca
tem tanta tesão dos teus

os meus dedos nervosos
percorrem o meu sexo
verticalidade lúbrica, orgânica
outra e outra vez
perfilado, aprumado, em vão
de tanto ansiar pelo teu próprio vão
elísio onde a minha volúpia se espraia

doidos os meus dedos de não poderem
desfiar o teu cabelo
de eu não o poder cheirar
como quando encho o peito e os pulmões
do teu perfume e só isso me acalma
de não poderem circundar a seda
dos teus seios-frutos de abocanhar
a minha sede novamente

os meus dedos nutam pela tua pele
escorregam pela duna da tua barriga morna
como quem atravessa um deserto
os meus beijos tontos de tanto procurar de beber
os meus dedos perdidos por aí abaixo
loucos de quererem novamente
aflorar os teus lábios
encharcados com cio
a minha sede outra vez, porra

os meus dedos extraviados
quando não te têm
anelam de não te poder anelar
ávidos de tanto te quererem
de tanto quererem entrar em ti invasores
como magotes de guerreiros sôfregos
irrompendo pelas tuas meias ameias muralha
que se abatem de repente
e toda tu te entregas numa batalha
que se vence apenas derribando
os nossos próprios bastiões e baluartes
penetro enfim o paço de dedos bacamartes
procurando-te por dentro
acordando o teu sentir, o teu pulsar
despoletando o teu arfar, o teu prazer
e o meu prazer de te dar prazer
os meus dedos gostam
que todo o teu corpo exulte de deleite
arqueado e convulso
os meus dedos e as minhas mãos
ufanam quando te agarram e pegam em ti
jactantes de sentir os teus sismos internos
jorrarem em espasmos, gemidos e gritos
e réplicas repetidas
os meus dedos adoram que não te retenhas
os meus dedos querem que te venhas
e explodas de gozo e mil orgasmos
e que todos os teus tsunamis se derramem
na minha boca e na minha garganta rouca
como um rio furioso no seu desfiladeiro
até se desfazer na sua foz
naturalmente

o meu sexo turgescente, latejante
alucinado, erguido, rijo, em riste, vibrante
quando procura os teus lábios e a tua boca
e tu finalmente a agarrá-lo
com firmeza e convicta
de que sabes exactamente
o que fazes e o que queres
fechas sobre ele a tua mão pequenina
acaricia-lo, como se o despisses lentamente
e afunda-lo de um só trago
eu deixo ir e vir com vontade
com força, sem clemência
tu suplicas indulgência
qual remissão dos pecados, meu amor?
eu acalmo-me, tento, não consigo
inchado cheio impetuoso
de precisar de me devorares com doçura
de te sentir de língua molhada em mim
novamente e mais uma vez e sempre
estoura o meu plectro e o meu estro
como a minha seiva em ti
sexus plexus nexus

e finalmente fodemos
que nem danados
como se não houvesse
hoje nem amanhã
nem a serpente nem a maçã
e só descansamos no estuário
onde as nossas águas e lumes
se juntam já mansos e quiescentes
serenando rutilantes de luz
para além do amor e do querer
para lá do desejo e da vontade
algures no fim do prazer
como se o prazer
pudesse ter um outro fim
que não fosse o próprio prazer.

por José Luís Correia
fotografia de autor desconhecido

2 comentários:

Pink Poison disse...

"Fodemos que nem danados..."
A minha forma de foder!

Pedro M disse...

Ohhhh Pink!!!
imagino...
Um beijo!