quarta-feira, 26 de junho de 2024

Beijo eterno


Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!

Fora, repouse em paz
Dormindo em calmo sono a calma natureza,
Ou se debata, das tormentas presa,
Beija inda mais!
E, enquanto o brando calor
Sinto em meu peito de teu seio,
Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,
Com o mesmo ardente amor!

...

Diz tua boca: "Vem!"
Inda mais! diz a minha, a soluçar... Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!

por Castro Alves
fotografia de autor desconhecido

terça-feira, 18 de junho de 2024

Porque há desejo em mim


Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outono decantado
Surdo à minha humana ladradura,
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne osso, laborioso, lascivo,
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

por Hilda Hilst
fotografia de autor desconhecido

domingo, 9 de junho de 2024

O batom


Quero arrancar o batom da tua boca
e com ele sujar meu rosto,
meus lábios e meu pescoço .
Quero me lambuzar de vermelho e ocre,
quero me gastar com amor,
me inutilizar de paixão.

E quero que essa seja a noite de nossas vidas.


por André William Segalla
fotografia de autor desconhecido

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Objeto de amor


De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem a sensação de um roubo:
cu é lindo!
Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdôo, eu amo.

por Adélia Prado
fotografia de Simon Bolz
Modelo: Clara