quarta-feira, 26 de março de 2008

Cantiga mundana


De teus olhos retirei a tristeza,
bebi as lágrimas salgadas;
lambi o abandono.

Ofereci esperanças, doei certezas —
segurança — e os lambuzei
com o mel dos meus.

Da tua boca seca arranquei
o riso louco de macho corno,
o sorriso morto de Prometeu.

Com os dedos refiz os sulcos
da boca ferida.
E com minha própria saliva
matei tua sede de vida.

Lavei tua alma, e a vesti
novamente em brios.
E — como se não bastasse —
a enfeitei com fios,
roubados, dos pêlos do homem
que, antes de ti, era o meu.

Te abri as pernas, as portas,
a seiva e a cama.
Te banhei no gozo de infinitas
noites profanas.
Te ninei em cantigas mundanas.

Depois de lavado, lambido.
Já saciado, curado, vestido.
Retornastes a teu destino
de animal predador.
Me deixando apenas alguns
pêlos dourados — que recolhi —
esquecidos no cobertor.

de Márcia Leite
fotografia de Oleg Kosirev

3 comentários:

SP disse...

MUITO interessante!!!

Bichinho disse...

Huummm.Beijo fantasma.

Pedro M disse...

mmm... gosto dos teus beijos... mas porquê fantasmas?!